Rem Koolhaas fala sobre a Prada, preservação, arte e arquitetura

Com a abertura das galerias de arte Fondazione Prada, em maio, o OMA mostrou um lado diferente de seu trabalho, com foco na preservação e montagem ao invés da iconografia e layout esquemático - que muitos associam ao escritório. Nesta entrevista, publicada originalmente pela Metropolis Magazine como "Koolhaas Talks Prada", Rem Koolhaas explica o raciocínio por trás dessa nova abordagem e como eles tentaram evitar cair em clichês de espaços artísticos pós-industriais.

Quando a Fondazione Prada abriu suas portas para uma nova casa permanente em Milão dedicada à cultura contemporânea, não só colocou a cidade italiana firmemente na vanguarda da arte global, mas também introduziu uma nova maneira ambiciosa de pensar a relação entre arquitetura e arte. A localização - uma destilaria original de 1910 -composta por sete espaços, incluindo armazéns e três enormes cisternas de cerveja com uma qualidade industrial crua que os arquitetos, a empresa holandesa OMA, mantiveram, além de adicionar três novos edifícios feitos de vidro, concreto branco e espuma de alumínio. Um deles, o Podium, de localização central, é destinado a exposições temporárias, enquanto outro, ainda em construção, é uma torre de nove andares que vai abrigar os arquivos da fundação, instalações de arte e um restaurante. O terceiro, um teatro com uma fachada espelhada, apresenta paredes dobráveis permitindo que a construção se abra para um pátio. No total, o conjunto de edifícios fornece cerca de 11 mil metros quadrados de espaços de exposição, mais do que o dobro do novo Museu Whitney de Arte Americana. A correspondente da revista Metropolis, Catherine Shaw, visitou o local com o arquiteto ganhador do prêmio Pritzker, Rem Koolhaas, para descobrir mais sobre os desafios de criar um novo paradigma cultural.

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A Fondazione engloba uma verdadeira paisagem urbana que consiste em hangares entrelaçados com novos edifícios. Eles estão sutilmente enfeitados, indicado pelas marcações alaranjadas lineares repetidas em seu exterior. Mudanças de altitude no chão variam a experiência do pedestre enquanto demarcando importantes elementos da Fondazione, como o cinema revestido com um verniz espelhado. Toques que emprestam ao complexo um assombro, quase surrealista. Imagem © Bas Princen - Fondazione Prada

Catherine Shaw: Você comentou sobre o fato desse projeto "expandir" o repertório de tecnologias espaciais. Poderia explicar o que você quis dizer com isso?

Rem Koolhaas: Há alguns anos, eu tenho estado ... bem, eu não sei qual é a melhor palavra, mas é em algum lugar entre aborrecido e irritado, pelo atual curso da arquitetura, forçando as pessoas a serem extravagantes, mesmo elas não querendo ou não precisando disso. Eu acho que há uma fadiga com "originalidade" e um interesse na modéstia de um artista. Neste caso, isso foi importante para mim, pois nos permitiu encontrar uma nova relação com a arquitetura. Era mais interessante do que dizer "Prada" ou "Estamos interessados em novos materiais estranhos."

Eu vi uma oportunidade de usar a preservação como um antídoto para isso, então decidi trabalhar, investigar e mobilizar o potencial de renovação como uma espécie de contramovimento. Temos feito isso há alguns anos. Quando trabalhamos no Hermitage Museum em São Petersburgo, analisamos tudo o que existia e assumimos o compromisso de não acrescentar nada de novo, mas simplesmente reinterpretar alguns dos edifícios a partir desse ponto de vista.

Descobrimos que, em termos de tamanho, intimidade e também materiais, a arquitetura existente tinha muitas condições que, mesmo se quiséssemos, não poderíamos reproduzir mais. Seria muito caro e há tantas leis agora que não existiam antes.

O projeto de OMA converte uma destilaria de um século de idade em uma série de espaços de galeria, distribuídos por sete estruturas restauradas e três novas - um pavilhão de exposições, cinema, e uma torre de concreto e vidro ainda a-ser concluída. Imagem © Bas Princen - Fondazione Prada

CS: Mas como é este "novo"? Certamente a preservação faz parte do repertório do arquiteto há algum tempo.

RK: A arquitetura nos últimos 20 anos tem estado muito focada na expressão de arquitetos individuais. A nova Fondazione não é um projeto de preservação nem uma nova arquitetura. Trata-se do respeito por aquilo que esteve aqui. Começamos analisar o que existe. Havia uma série de condições e necessidades que estavam faltando, então nós as adicionamos para a nova arquitetura. Existem vários níveis de análise, e isso foi o que tentamos fazer aqui; mobilizar a habilidade, a liberdade, a inclinação e a compressão que está lá e, em seguida, adicionamos elementos que ampliam o repertório para que tenhamos uma coleção de espaços.

Muitas coisas aqui podem parecer autênticas, como a seqüência de pequenas salas que se tornam maiores em uma das galerias, mas que foi a intervenção que possibilitou e não uma situação "encontrada", então também estamos brincando com a aparência de um objeto encontrado. Nós, na verdade, intervimos em todos os lugares.

Nós não trabalhamos com contraste, pelo contrário, tentamos criar uma situação onde o antigo e o novo poderiam funcionar perfeitamente em conjunto, e às vezes estariam realmente fundidos em um conjunto para que você não consiga dizer a qualquer momento se está em um espaço novo ou antigo. Essa era a nossa ambição: criar uma espécie de uniformidade.

A abordagem da OMA para os pavilhões de exposição é eclética, embora inegavelmente moderna. (Nota o detalhe da viga vertical fixada no invólucro edifício). Imagem © Bas Princen - Fondazione Prada

CS: A Fondazione Prada é um vasto complexo com dez edifícios muito diferentes e de escala variável, porém o mais visualmente impressionante é o edifício dourado no centro. De onde surgiu a ideia para revesti-lo desta forma?

RK: Na verdade, foi uma inspiração de última hora para encontrar uma maneira de dar valor a um elemento industrial aparentemente banal e simples. Mas descobrimos que o ouro é realmente um material de revestimento barato em comparação com os revestimentos tradicionais, como o mármore e até mesmo a pintura. O que eu amo é a maneira que contamina as paredes em torno dele. Milão é como uma panqueca com alguns elementos altos. O ambiente é tão cinzento que precisava de um pouco de cor.

O salão de exposição dourado é o ponto focal central da Fondazione. Chamado de Haunted House, as características utilitárias da estrutura são folhadas a ouro, uma extravagância ostensivamente espontânea que Koolhaas pós-racionaliza por motivos funcionalistas. O edifício eleva-se acima do resto dos espaços e armazéns ao ar livre do campus. Imagem © Bas Princen - Fondazione Prada

CS: Usar edifícios industriais como galerias de arte é uma prática comum hoje em dia, mas você parece ter evitado a genérica caixa-branca.

RK: Acho surpreendente que a enorme expansão do sistema de arte tenha ocorrido em um número reduzido de tipologias para as exposições.

O que é maravilhoso neste local é a sua qualidade industrial. Eu acho que o que temos feito é diferente, simplesmente porque é um novo compromisso real com o espaço. Nós estávamos realmente preparados -e isso pode ser uma das forças motrizes mais importantes do nosso trabalho em geral, estarmos altamente alertas para o desenvolvimento de clichês. A combinação do espaço industrial e da arte é um grande clichê. Com a introdução de tantas variáveis espaciais, a complexidade da arquitetura irá promover uma programação aberta instável onde a arte e a arquitetura irão se beneficiar dos desafios. A torre, por exemplo, existe simplesmente porque o nosso interesse aqui foi desenvolver um repertório e opções para exibição com diferentes escalas de interpretação.

Queríamos uma diversidade real das condições e senti importante ter um elemento vertical por várias razões. De alguma forma, a arte se sente diferente no chão e no ar, e o único é o efeito variado no conteúdo devido aos diferentes níveis dos artistas. Cada um dos dez andares terá pisos progressivamente mais altos.

Painéis de espuma de alumínio alinham o teto de um dos novos pavilhões de exposição, formando uma grade pontuada por tiras de LED finas. Imagem © Charlie Koolhaas - OMA

CS: Como é trabalhar com uma marca de moda como a Prada?

RK: Um arquiteto não é nada sem alguém que quer alguma coisa, e que faz da arquitetura uma profissão estranha, porque somos essencialmente passivos até que alguém mobiliza nossos talentos. Isto foi o que aconteceu neste caso com os fundadores da Prada.

Após 15 anos de colaboração, Prada está muito confiante no nosso trabalho, por isso, não temos que superar o ceticismo típico que existe entre os clientes e arquitetos de primeira viagem. Temos que superar outras formas de ceticismo, mas não esta. Através da Prada, estávamos em estreito diálogo com a cultura italiana, tradições e obsessões, e isso permitiu um profundo envolvimento entre nossas culturas. O que estava implícito para mim desde o início era descobrir a eficiência da moda. O que eu acho incrível é como a moda pode, em oito horas, organizar algo sublime quando para nós isso leva oito anos. A diferença de velocidade é totalmente fascinante. E isso é apenas um exemplo de onde a colaboração é profundamente inspiradora. A arquitetura tem uma capacidade de integrar tudo o que aparece em uma nova linguagem. E a moda, até certo ponto, faz a mesma coisa, por isso, coletivamente, temos sido capazes de responder criticamente ao que foi desenvolvido nas últimas décadas em termos de cultura e técnicas.

Exposição inaugural da Fondazione a clássica série, explora questões de autenticidade e imitação na antiguidade clássica. As esculturas em tamanho natural são montadas em um sistema de pavimentação intricada projetada para a exposição e composta por mármore e alumínio escovado todos expostos ao longo das bordas. Imagem © Attilio Maranzano

CS: A Fondazione se destina a acomodar uma grande variedade de eventos culturais, incluindo cinema. Como você incorporar este tipo de flexibilidade em seu projeto?

RK: Eu não sei se você já viu o nosso projeto chamado Transformer. Foi um pavilhão temporário na Coréia projetado para a Prada. Ele teve de responder a diferentes funções, de modo que o que fizemos foi desenhar planos ideais para cada função, como uma exposição, cinema ou espaço de arte, e em seguida, colocar as plantas juntas em um tetraedro e envolve-lo na borracha que é utilizada para proteger aviões no deserto. O projeto funcionou de forma que a estrutura era rotacionada através de um guindaste de modo que cada um dos planos ideais poderia se tornar o "chão." Poderia funcionar de maneiras diferentes, mas cada plano era o plano ideal para essa função específica. Então nós estávamos pensando sobre isso aqui em Milão e nós sabíamos que havia um interesse no desempenho, por isso criamos o cinema com a abertura das laterais. O térreo se estende e o pátio se torna um palco. Nesse sentido, essas são as transformações que trabalham com as condições existentes, mas que podem acomodar uma enorme gama de atividades diferentes.

CS: Sua mistura sutil de visuais interiores e exteriores aqui segue quase um estilo japonês.

RK: Claro que é muito benéfica a experiência de trabalhar em outros países com diferentes sensibilidades e o Japão é talvez o tipo de cultura que eu mais me relacionar e para a qual eu tenho uma quantidade enorme de respeito. Isso é muito deliberado. Aqui, dividimos o local em partes cobertas e ao ar livre. Você vai descobrir ruas e praças para atividades públicas, e que confere ao projeto uma qualidade maravilhosa que não é apenas um museu ou um lugar para a arte, mas também uma coleção de espaços públicos. Cada edifício está se comunicando com espaço aberto e ar livre.

CS: Você também já introduziu várias novas tecnologias, incluindo o uso de espuma de alumínio, que é normalmente usado pelos militares, mas que você reformulou como o revestimento interior e exterior do edifício Podium. De onde veio esta ideia?

RK: Como você sabe, nós temos um escritório de arquitetura que é uma espécie de think tank. A única razão para tê-lo é que sentimos que, além de precisarmos ser uma ferramenta de nossos clientes, nós também devemos definir a nossa própria agenda. Neste caso, isso significa que podemos basicamente explorar questões antes de qualquer pergunta sobre elas, por isso estamos preparados. No momento, estamos fazendo isso com a exploração do campo. Eu tenho um palpite de que a paisagem está mudando mais rápido do que a cidade. Estamos gravitando para uma situação ridícula em que metade do mundo tem que mudar drasticamente e onde a outra metade fica estagnada. É por isso que nós sentimos que deveríamos envolver-lo para ver se, em um regime de preservações, de fato, poderíamos ganhar algo e modela-lo. Isto é o que eu gosto.

Adjacente a Haunted House está uma nova estrutura de exposição apelidada de Podium. Revestida com espuma de alumínio. Imagem © Bas Princen - Fondazione Prada

CS: A iluminação das várias exposições na Fondazione Prada é excepcional. Por que as galerias apresentam tantas vezes uma exigência tão básica errada?

RK: O que eles quase sempre erram são os elementos mais evidentes e repetitivos.

CS: Um dos três novos edifícios, a Torre, ainda está em construção. Você pode nos contar um pouco sobre o que podemos esperar?

RK: Eu vejo a Fondazione Prada como um campus; uma ferramenta com uma vasta gama de possibilidades. A torre é este tipo de espaço.

CS: Você diz que teve muita liberdade no projeto da Fondazione Prada, então qual foi o maior desafio do projeto?

RK: Provavelmente não sucumbir a uma overdose de liberdade.

CS: Como você responde às críticas dirigidas a seus projetos?

RK: Acho que estamos vivendo numa época em que a crítica não é particularmente bem-vinda, seja crítica política ou crítica corporativa. Tornou-se uma palavra suja. Por exemplo, você pode ver a fobia de uma crítica ruim, como causa histeria e a atitude defensiva imediata que se estabelece. Eu posso dizer que eu sou tipo que realmente tira partido dos comentários ruins, então eu não os levo para o lado pessoal, a menos que eles se destinam a ser pessoal. Em geral, eu estou realmente aberto à crítica, simplesmente porque sou de uma geração que não tem esse tipo de medo.

Sobre este autor
Cita: Shaw, Catherine. "Rem Koolhaas fala sobre a Prada, preservação, arte e arquitetura" [Rem Koolhaas on Prada, Preservation, Art and Architecture] 29 Ago 2015. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/772622/rem-koolhaas-na-prada-preservacao-arte-e-arquitetura> ISSN 0719-8906

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